Algumas dicas básicas de modificações para fazer seu veículo encarar os desafios do fora de entrada.
Não adianta. Acontece com todo mundo. Você compra seu primeiro 4×4 e vai para as primeiras trilhas. Você comprou um bom carro 4×4 e vai com ele para a trilha todo original. Dependendo do “grupo” com o qual você vai para sua primeira trilha será inevitável: você vai se deparar com carros mais preparados, mexidos, levantados etc. e, quase invariavelmente, o carro “deles” passa melhor pelas dificuldades da trilha do que o seu.
E aí aparece o primeiro dilema (apenas o primeiro), mexo no meu carro ou não mexo? E sabe qual é a resposta? A resposta correta é “depende”. E depende MUITO! Não é simples de explicar, nem muito fácil de entender… Mas, esse dilema acompanha todo mundo que gosta de trilhas e carros off-road. E o dilema não fica apenas no mexer ou não mexer, fica — e muito — no quanto mexer, ou seja, quanto levantar, quanto equipar, etc., etc.
Aqueles que me conhecem sabem que sou da “escola” de manter os carros os mais originais possível. E, portanto, ao ler esse texto tenha isso em mente, pois, em contraponto você vai conhecer muita gente que é adepto do quanto mais “mexer”, melhor! E o fato é que não há uma única verdade nessa bagunça toda.
Tudo começa em você entender, de verdade, qual é sua intenção com o off-road. Você quer ir para trilhas pesadas, encarar os piores desafios, é adepto do quanto pior melhor? Ou, por outro lado, você gosta de viagens para lugares distantes, usar o off-road para chegar a lugares de difícil acesso e rara beleza? Ou, ainda, o seu 4×4 é seu carro do dia a dia e de vez em quando você vai brincar em trilhas, caminhos ruins, etc.?
A resposta a essa pergunta é essencial para você entender sua necessidade. E já falamos um pouco sobre dicas de como escolher seu 4×4 em função do tipo de uso que você pretende.
Outra coisa muito importante que você precisa ter em mente é: carro é um conjunto, uma junção de sistemas que permite a ele andar, frear, fazer curvas e tudo isso com segurança e desempenho para o tipo de situação para que ele foi projetado. Ou seja, um carro de corrida sempre será diferente de um caminhão, que será diferente de um carro de passeio, e por aí vai.
Portanto, entenda que seu 4×4 tem seu projeto pensado para um determinado propósito. Pode ter um ótimo desempenho off-road, mas pode, também, ser um ótimo veículo em rodovias e ser apenas capaz de encarar um pouco de off-road. Faz parte do projeto, do conceito, do propósito.
Por isso mesmo, a primeira parte para ter um bom veículo off-road é escolher bem o carro que você vai adquirir. Escolher um carro que foi pensado para ser apenas “aceitável” no off-road e querer transformá-lo no “passa-por-tudo” vai dar muito trabalho, custar muito dinheiro e, muitas vezes, você não vai alcançar o resultado desejado, pelo menos não nas primeiras tentativas, ou seja, terá que aprender com os erros.
Para dar um exemplo, se você quiser mexer na altura do seu carro, você vai comprometer outros sistemas. Se você quiser colocar um pneu maior, por exemplo, vai alterar a relação de transmissão, vai mudar o comportamento de frenagem, estabilidade, aceleração, segurança, etc.
E mexer demais pode, também, significar visitas e mais visitas a oficinas. Imagine a situação: você resolve levantar o seu carro e colocar um pneu bem maior. Puxa, ele ficou alto e agora passa bem pelas dificuldades! Mas, falta motor. Como você alongou demais a transmissão, o motor já não tem o mesmo vigor. Você pode mexer na relação do diferencial (encurtar) e o motor volta a ter mais fôlego. Mas, aí ele não fica tão bom para rodovias (o fôlego é limitado). Você resolve trocar ou mexer no motor, aumentando potência e torque. Aí descobre que o sistema de transmissão não suporta o torque, podendo quebrar semiárvores, homocinéticas, caixa de câmbio, cardã, e por aí vai.
Pode descobrir também que os componentes de direção (pivôs, barras, terminais, etc.) não suportam o “peso” do novo pneu. Pode descobrir que os rolamentos não suportam a carga a que estão sendo submetidos. E se você sair trocando tudo isso, vai descobrir, certamente, que a melhor coisa era ter começado com um carro naturalmente mais alto, com possibilidade de trabalhar com pneus maiores, etc., sem ter que mexer em tudo isso. E note quantas vezes você teve que ir à oficina para mexer no seu carro. E quantas vezes ele pode ter quebrado até você descobrir os itens que ficaram “fracos” e subdimensionados. A coisa vai longe. E vai mesmo.
E se esse carro for o seu único veículo, pode descobrir que ele ficou terrivelmente ruim para andar por avenidas, rodovias, estacionar, entrar e sair, etc.
Tenha tudo isso em mente antes de decidir por mexer no seu carro. Sempre.
E lembre-se que veículos mais modernos são dotados de ainda mais sistemas que os carros antigos: controles eletrônicos (ABS, controles de estabilidade, tração), câmbios inteligentes (controlados por computador), bolsas infláveis, e por aí vai. E mexer no carro pode comprometer tudo isso. Por exemplo: um veículo que tenha controle de estabilidade e que passe por um “lift” pode começar a interferir na “condução” do veículo bem antes do que o desejado e projetado, já que o centro de gravidade aumentou, a inclinação da carroceria não é mais a mesma, etc.
Mas, muitas vezes, é fácil fazer pequenas mexidas e, ainda assim, ganhar bastante em desempenho no fora-de-estrada, sem comprometer em demasia todos os itens e os demais conjuntos. A dificuldade aí é que cada veículo tem uma “receita” para mexer pouco e melhorar o suficiente para valer a pena.
Vou passar aqui algumas pequenas dicas, que não se aplicam a todos os veículos de forma única, mas servem como baliza para você poder mexer “um pouco” sem comprometer os demais sistemas em demasia e, principalmente, sua segurança e de sua família.
Entenda que TODAS as alterações para estarem dentro da lei requerem vistoria do órgão de trânsito e devem constar da documentação do veículo.
Qualquer modificação que você resolva fazer, sempre procure referências de quem já fez, entenda as opiniões e filtre as tendenciosas (vendedores, apaixonados por marcas, etc.) e faça com profissionais experientes, capacitados e honestos.
Tamanho de pneus: escolher um pneu um pouco maior do que o original e mais adequado para o off-road (All-Terrain ou Mud-Terrain) torna seu veículo um bocado mais capaz. Como regra, para não comprometer o rendimento do motor e da transmissão, não alterar em demasia a estabilidade, etc., considere, no máximo, colocar um pneu que aumente a circunferência do pneu no máximo em 10%. Antes de trocar, certifique-se que esse pneu cabe no seu veículo, sem pegar ou raspar em nada.
Pode ser que você precise levantar o veículo para que ele caiba (veja abaixo). Para fazer os cálculos, existem vários sites e aplicativos que ajudam nessa hora: basta colocar o tamanho do pneu original e o tamanho do pneu desejado que ele vai te dar a diferença da circunferência. Lembre-se que ao alterar o tamanho do pneu o velocímetro do seu carro não vai marcar mais o valor correto, ele marcará a menos (a transmissão alongou). Uma dica é comparar a velocidade do painel com o de um GPS. Cuidado com os limites de velocidade e radares.
Levantar a altura do veículo (lift): isso depende muito do veículo. Em regra, não pense em levantar mais de 5 cm sem que também altere outros itens (amortecedores, barras estabilizadoras, etc.). Sempre que você mexe na suspensão do veículo tenha em mente que você compromete a estabilidade (o centro de gravidade fica elevado), modifica a geometria e o comportamento do carro (o efeito do cáster muda). E isso varia muito de carro para carro, pois, cada um tem um “sistema” de suspensão próprio. Isso significa, também, que pode ser mais simples ou mais difícil fazer isso. Se for levantar muito, lembre-se que a suspensão inteira tem que ser redesenhada (vide os kits que existem no mercado que, conforme você vai aumentando a elevação, vai tendo mais e mais itens a trocar, chegando ao ponto de trocar uma suspensão inteira).
Também é possível mexer na altura do veículo levantando apenas a carroceria, quando o veículo é construído com chassis e carroceria. Isso não se aplica, obviamente, a veículos com estrutura monobloco. Lembre-se que alterar demais a altura pode comprometer mangueiras, chicotes e outros itens que ficam presos entre carroceria, chassis e itens da suspensão (flexíveis de freio, cabeamento de ABS, cabo de freio de estacionamento, etc.). Ao final, lembre-se que uma boa suspensão off-road não tem apenas altura, ela precisa articular (curso de suspensão) para que os pneus continuem tocando o solo, sem o que não há tração e, claro, tração é fundamental no off-road.
Amortecedores: muita gente troca os amortecedores do carro por não originais pelos mais variados motivos. Tenha em mente que os amortecedores são parte integrante e fundamentais no comportamento da suspensão. Algo que é muito comum é você trocar os amortecedores por modelos de competição, o carro fica mais duro e, ao mesmo tempo e sem que você perceba, a suspensão fica mais travada e, portanto, articula menos fazendo com que as rodas tenham menos contato com o solo. Portanto, o seu veículo perdeu capacidade de tração, o que é fundamental para o off-road. Colocar outros amortecedores sem avaliar os pontos de fixação pode ser um erro brutal. Por exemplo, amortecedores mais duros requerem pontos de fixação mais reforçados, pois o esforço que passam para eles é bem maior. Mexer no local da fixação dos amortecedores pode travar seu curso. Enfim, muita atenção ao mexer nesse item.
Para-choques: nos carros modernos o para-choque se integra ao veículo de tal forma que é bem difícil modificá-los e torná-los mais resistentes para o off-road. Antes de mexer, entenda como isso funciona no seu veículo. Entenda, também, que os para-choques são projetados para absorver impactos e fazem parte do projeto de segurança do carro. Informe-se sobre isso. Se o seu veículo já tem para-choques independentes, pode ser fácil mexer e colocar um mais apropriado para receber um guincho, etc. (atente para o fato de que existem normas para isso também). Tenha em mente que colocar muito peso na frente do carro altera seu comportamento dinâmico (a frente afunda mais nas freadas, a suspensão dá mais fim de curso, o volante fica mais pesado, etc.).
Freios: se o seu veículo é antigo ou você colocou pneus bem maiores do que os originais, provavelmente, você vai sentir falta de um freio mais eficiente. Alterar freios implica em redimensionar todo o conjunto. Por favor, mexa nesse item com muito critério, com pessoas especialistas no assunto, faça vários e vários testes em local apropriado antes de trafegar com o veículo por ruas e rodovias, utilize apenas componentes novos com procedência. Entenda que apenas pinças melhores não funcionam bem em discos subdimensionados. Entenda que o sistema de servofreio, tipo e volume de fluido deve ser adequado para as pinças.
Itens que não interferem muito no conjunto do veículo
Snorkel: esse é um item que não modifica as características originais do veículo. Se você pretende passar por trechos alagados, vale a pena considerar sua instalação para que possa fazê-lo com segurança e tranquilidade. A função do snorkel é elevar o ponto por onde o motor aspira ar. No entanto, é importante considerar que a capacidade máxima de travessia de alagados não depende exclusivamente do snorkel, pois é preciso ter atenção aos sistemas elétricos/eletrônicos, respiros dos sistemas de transmissão (caixa de câmbio e transferência e eixos) e tanque, etc.
Bloqueios de Diferencial: muitas vezes a instalação de um bloqueio de diferencial (que aumenta muito a capacidade de tração) pode fazer mais diferença de desempenho do que outros itens que você queira instalar. Como ele faz com que as rodas de um mesmo eixo tenham tração por igual (quando o bloqueio tem capacidade de 100%) a capacidade do veículo aumenta bastante. Isso pode compensar, por exemplo, uma suspensão que não tenha muito curso. Se o seu veículo já tem controle eletrônico de tração para off-road, pode ser desnecessário. Mas, mesmo nesses casos pode ajudar bastante. E é um item que não altera o conjunto do carro, desde que ele seja do tipo selecionável, ou seja, você pode habilitar o bloqueio ou não (normalmente por um botão).
Estribos: alguns veículos já o trazem original, outros não. Antes de instalar, avalie a necessidade e se optar em instalar, procure por um modelo que não altere a altura do veículo em relação ao solo, pois, ele pode atrapalhar o ângulo central (parte inferior mais baixa). Procure um modelo resistente para dar proteção a carroceria, mas, que não seja muito pesado.
Protetores: eles podem ser importantes ou não, tudo depende de inúmeros fatores. Considere quais componentes inferiores do seu veículo estão de fato expostos e sujeitos a pancadas. Avalie o tipo de trilha que você gosta de fazer. Em veículos com eixos rígidos, avalie bem a necessidade de protetores nos diferenciais. Muitas vezes, eles tiram muito da altura do veículo em relação ao solo e fazem com que a possibilidade de ficar preso em atoleiros seja maior. Se você gosta de velocidade (e, portanto, a pancada pode ser muito mais forte), considere esse fator como potencial de risco.
A lista poderia ir longe, muito longe…
Ao longo do texto colocamos alguns exemplos de veículos pouco modificados e que trazem bom desempenho off-road. São apenas exemplos e poderíamos ter escolhido centenas com diversas “receitas”. O conselho é pesquise, pesquise, pesquise. Se você resolver modificar seu veículo, informações são o seu mais precioso tesouro, antes de gastar tempo e (muito) dinheiro em algo que não trará o resultado adequado.
E não se deixe levar por modismos, por apaixonados, por extremistas e pense sempre no conjunto. O seu carro é um conjunto. Alterar um item, altera tudo, tudo mesmo. Alterar um pouco altera o todo apenas um pouco. Alterar muito transforma seu carro em outro. E para sua surpresa ele pode ficar pior em tudo, até para o off-road, por incrível que pareça.
Boas aventuras. Nos vemos por aí em veículos originais ou modificados, sempre com diversão segura pelas trilhas.
Abraços 4×4
Fonte: Luís Fernando Carqueijo
Nossos agradecimentos pela autorização de uso.
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